06
Out
2025
Perfil de temperatura padrão para soldagem de placas eletrônicas: mito ou realidade?
Quando falamos de confiabilidade e funcionalidade em placas de circuito impresso (PCI), uma das variáveis mais importantes é a formação correta da junta de solda entre terminais dos componentes e os pads do PCB, como já citamos em outro blog. Ela é o "coração elétrico e mecânico" da montagem.
Para que essa junta se forme de modo consistente, um dos controles de processo mais críticos é o perfil de temperatura, a curva de temperatura vs. tempo que a placa percorre dentro do forno.
Antes de falar do perfil em si, vale relembrar os quatro elementos fundamentais para a soldagem:
- Superfície soldável ? metal de base: Tanto os pads do PCB quanto os terminais dos componentes devem estar em condições para passarem pelo processo de formação da junta de solda.
- Fluxo: Irá realizar a preparação das superfícies soldáveis (limpando possíveis contaminantes). Vai contribuir também na transferência térmica entre as área a serem soldadas e irá quebrar da tensão superficial do metal líquido durante a soldagem.
- Metal de adição (liga): É o elemento responsável por conectar o PCB aos Componentes promovendo condutividade elétrica, térmica e resistência mecânica. É fundamental que a liga selecionada seja adequada às características de aplicação da placa durante sua operação em campo.
- Calor: É necessário para ativar o fluxo (pois o fluxo abaixo da sua temperatura de ativação não cumpre as funções mencionadas acima). Também irá aquecer os metais de base (pois a solda, metal de adição, não irá migrar ou formar conexões em superfícies frias) e por último e não menos importante, irá efetuar a fusão da liga (metal de adição).
A qualidade da junta de solda nasce do equilíbrio entre esses quatro elementos que são igualmente importantes, no entanto hoje iremos falar um pouco mais sobre o calor. Este elemento precisa ser definido e controlado conforme o tipo da placa que está sendo produzida, conforme a liga de solda que está sendo utilizada e deve levar em consideração as características dos componentes e do PCB que está sendo utilizado.
Para efetuar esta definição e controle, o método utilizado é o do Perfil de Temperatura.
A analogia do bolo (e por que ela importa)
Vamos começar nosso raciocínio sobre Perfil de Temperatura fazendo uma analogia interessante com algo mais próximo do nosso dia a dia fora das fábricas:
Imagine que iremos assar um bolo em um forno de uma cozinha caseira, com aquecimento por chama (fogo), gerado por gás de cozinha tradicional.
Preparamos uma porção com 1.2 Quilogramas de massa para bolo e a separamos em duas partes, utilizando tabuleiros de alumínio de mesma espessura da chapa e mesma profundidade, no entanto, diferentes comprimento e largura, pois serão bolos de diferentes tamanhos, conforme abaixo:
Bolo 1: 200 gramas em um pequeno tabuleiro para fazer um Cupcake:

Bolo 2: 1 Quilograma em um tabuleiro grande para fazer um bolo retangular:

Após estarem devidamente separadas as duas porções de massa, ambos foram colocados no mesmo forno a mesma temperatura (ex.: 280 °C).
Pergunta: Qual dos dois bolos irá ficar pronto corretamente primeiro?
Pense na sua resposta e muito provavelmente, sem fazer cálculos o seu instinto irá dizer que a porção do Cupcake, com apenas 200 gramas estará devidamente pronto primeiro, e se for este seu pensamento, você está correto.
Agora vamos ver como a física explica isso:
De acordo com a Equação da Calorimetria, apresentada inicialmente pelo médico e químico escocês Joseph Black, é necessária uma quantidade de calor (Q) para alterar a temperatura (Delta.t ) de uma substância. Esta quantidade de calor (Q) será determinada pela massa (m) do corpo ou substância em questão e por seu calor específico (c), se relacionando conforme abaixo:

Com base nesta equação, podemos dizer que se um corpo possui maior massa ou maior calor específico, ele irá consumir mais energia térmica (quantidade de calor) para alcançar uma determinada variação de temperatura. Por essa razão, o com menor massa (no caso do exemplo o cupecake), ficou pronto primeiro, pois ele precisou consumir uma quantidade menor de energia dentro do forno para variar sua temperatura desde a temperatura ambiente até a temperatura do ponto de assar a sua massa completamente.
Vejamos na tabela abaixo, como cada variável desta equação pode ser encontrada em um forno de refusão durante o processo de soldagem SMD:

Traduzindo agora o exemplo dos bolos e a equação da calorimetria para o universo da soldagem das placas de circuito impresso vamos tomar dois produtos diferentes como exemplo:
Um controle remoto de TV, montado em uma placa simples, com duas camadas (layers), cerca de 10 SMDs e talvez 1 a 2 PTHs. Esta placa não se comporta termicamente como a placa da TV, que possui no mínimo quatro camadas de cobre (layers) e uma grande população de diversos componentes SMDs e PTH e de diferentes tipos e materiais. Vejam nas imagens a seguir:


Extrapolando o raciocino e considerando duas placas eletrônicas com as mesmas dimensões externas - mesma largura e comprimento ? dependendo de suas composições internas (quantidade de camadas e densidade dos circuitos), podem exigir perfis distintos. Uma placa de iluminação LED, pode ter as mesmas dimensões de uma placa de Fonte por exemplo, porém com circuitos internos e componentes totalmente diferentes, o que lhes trará diferentes massas e calores específicos, e consequentemente irão consumir diferentes Quantidade de Calor para alcançar a variação de temperatura necessária para soldar.


Dessa forma, dizer que existe um "perfil padrão" capaz de soldar bem diversos tipos de produto é um erro, pois esta afirmação ignora as variáveis massa térmica, distribuição de cobre entre as camadas e tipos de componentes que estão sendo soldados.
Algo que podemos afirmar com tranquilidade é que uma mesma curva de perfil de temperatura pode soldar bem uma gama de produtos de mesmas características térmicas. Isso de fato faz todo sentido, porém o que eu preciso fazer para garantir que em meu processo eu esteja confiante de utilizar este perfil?
Obrigatoriamente eu preciso traçar a curva do perfil de temperatura, com termopares devidamente posicionados em pontos estratégicos e validar que todos estão de acordo com a janela de processo da pasta de solda utilizada e dos componentes montados naquele produto, pois dentro de uma mesma placa eu posso ter diferentes comportamentos térmicos, como no exemplo da curva da imagem a seguir.


Veredito: "perfil padrão" é mito, e isso é uma boa notícia
Se o seu mix inclui desde um controle remoto simples até uma fonte robusta ou um produto de telecom com muitas camadas de cobre e conectores pesados, não há um único perfil que sirva para tudo. O perfil ideal é o que entrega uma boa formação de junta de solda, de acordo com os parâmetros da janela de processo da pasta de solda e dos componentes montados, medido e validado na sua realidade.
Em resumo, o perfil certo é aquele que a sua placa "pede", e você comprova com termopares conectados a um traçador de perfil e analisando a curva em toda sua extensão, comparando temperaturas e tempos.
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Demétrius Nunes